Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme que parece um sermão dirigido a públicos mais devotos.**
Custa verdadeiramente ser historiador quando sentimos vontade de ver um filme que se baseia em factos históricos. Nunca conseguimos despir o traje académico e desfrutar dos filmes, conseguimos ver erros e inexactidões onde ninguém vê nada de especial. E isto é cansativo. Quando o filme em questão é de temática bíblica, as coisas tendem a piorar. E o que temos aqui é um dos filmes bíblicos mais fracos que vi em bastante tempo.
Baseando-se em material sólido extraído das cartas de Paulo e do livro bíblico dos Actos dos Apóstolos, o filme procura mostrar-nos um pouco do que foi a vida de Paulo enquanto pregador e líder cristão concentrando-se na série de eventos que se seguiu ao incêndio de Roma, em 64 d.C., e mostrando o resto por meio de flashbacks episódicos. O filme parte da presunção, acertada, que a maioria do público conhece os acontecimentos e sabe quem foi Paulo. E de facto é difícil imaginar que hajam cristãos bem informados que não vejam a acção decisiva deste líder: inicialmente, era pagão e ajudou os judeus a perseguirem os cristãos, a quem consideravam uma seita cismática da sua fé. Posteriormente, tornou-se numa das figuras determinantes do período inicial da fé cristã, e foi fundamental para a levar a outras raças e povos, separando definitivamente os cristãos dos judeus. A tradição diz-nos que foi morto em Roma pouco depois do incêndio, que o imperador Nero atribuiu à acção fanática dos cristãos da cidade.
O filme não é mau, mas podia ter feito melhor esforço para captar a pregação e acção de Paulo junto de outros líderes cristãos: nunca se fala, por exemplo, da sua participação no primeiro concílio ecuménico. Nero não aparece, mas vemos a repressão romana em cores vibrantes e exageradas: apesar de os cronistas romanos se desdobrarem em descrições coloridas dos massacres de cristãos, é sabido que tais relatos foram muito exagerados e a arqueologia nunca confirmou tamanha ferocidade. Também me custou ver a forma como o Cárcere Mamertino foi transformado numa colónia penal moderna, com muros, guardas e portões fortes. Quem conhece minimamente Roma e já visitou o que subsiste deste local sabe que era uma prisão pequena, usada em situações temporárias, e que os romanos não tinham o costume de ter grandes prisões, preferindo enviar criminosos para as galés, as pedreiras e outros trabalhos forçados. Muito mais prático que alimentar montes de presos que não fazem nada o dia todo, diriam os romanos. O filme também coloca Lucas junto a Paulo, em Roma, o que não faz sentido: sabemos que se conheceram e cooperaram, mas parece improvável que Lucas ficasse serenamente em Roma e à vista das autoridades após a prisão de Pedro e de Paulo.
O ambiente geral do filme é um tanto "beato", e assemelha-se a um longo sermão de Páscoa, que vai desagradar fortemente a públicos menos devotos ou praticantes da sua fé. Eu não tive grandes problemas com isso, mas também preferia uma abordagem diferente e mais capaz de agradar ao público generalista. Não sei se o filme foi financiado por uma igreja ou algo parecido, mas bem poderia ter sido o caso. James Faulkner é eficaz no papel de Paulo, Olivier Martinez faz o que pode num papel em que tem de ser desagradável e Jim Caviezel é sensaborão e pouco interessante neste esforço, o segundo da sua carreira em que aborda temáticas bíblicas.
Em 02 Apr 2024