Autor: Filipe Manuel Neto
**A Pixar descobriu o anime e procura conquistar as bilheteiras orientais.**
Eu tinha algumas expectativas relativamente a este filme. Não sei exactamente o que é que eu esperava, mas acho que todos compreenderão se disser que o filme tem a assinatura da Disney e da Pixar, dois estúdios com um invejável currículo de sucessos. Porém, mal o filme terminou, eu senti que não era exactamente o público-alvo deste filme: homem, acima de trinta anos, europeu, sem grande relação com a cultura ‘pop’ ou o mundo anime.
O filme acompanha uma jovem adolescente, filha de pais chineses, numa experiência um pouco catártica em que se transforma num simpático panda-vermelho. O filme centra-se nesta transformação e transforma-a numa metáfora de uma transformação chamada puberdade, numa descoberta da própria individualidade e da própria autonomia, muito particularmente no que diz respeito à relação com os pais.
O filme é bom, mas o tema é… complicado. Se é absolutamente verdade que a maioria das meninas adolescentes se vai rever nalgumas das peripécias que Mei vivencia, não é menos verdade que muitos pais e tutores vão encarar o tema com desconforto e levantar algumas objecções quanto a uma certa “apologia da rebeldia” que o filme sugere. Numa nota positiva, foi a primeira vez que vi um filme animado e dirigido ao público juvenil abordar a menstruação sem rodeios. Os diálogos continuam a insistir, contudo, naquele estereótipo da adolescente em pânico e da mãe perturbada com o momento e insistindo na ideia de que, agora, a sua filha é uma mulher. Isso é estúpido e transmite ideias que não estão correctas: uma mulher é-o desde antes do seu nascimento, do ponto de vista biológico, e torna-se mulher do ponto de vista psicológico e social muito depois da sua primeira menstruação, quando passa a ter idade e maturidade suficientes para tomar as suas decisões (o mesmo é válido para homens, com as devidas ressalvas). Em adição a estes problemas, a trama parece-me um pouco incipiente, caminhando por percursos que são bastante óbvios, optando por soluções previsíveis e criando personagens básicas. Eu até podia falar, ainda, da quantidade de estereótipos sobre chineses e orientais presentes neste filme… mas será que eu preciso de falar nisso?
O melhor do filme são as animações e a extraordinária qualidade dos desenhos e efeitos. A Pixar não deixa cair a oportunidade de defender os seus talentos e a sua reputação no domínio da animação digital e oferece-nos um festim para os olhos, com um realismo e uma atenção aos detalhes que dificilmente encontra paralelo e que nos faz pensar muito na forma como a tecnologia evoluiu em pouquíssimos anos: “Toy Story” ainda nem tem trinta anos e já parece um pouco datado quando comparado a este filme! Um problema apenas: eu não sou fã, nem um pouco, de anime. Acho que é um tipo de animação muito estilizada, excessiva, exagerada. Infelizmente, este filme adopta demasiados elementos que são importados do anime. Vejam-se os olhos, as bocas exageradamente grandes, as mudanças repentinas de pose ou atitude das personagens… não dá para estar com um pé em dois mundos ao mesmo tempo.
Em 15 Oct 2023