Autor: Filipe Manuel Neto
**Para quem gosta de filmes satÃricos, este filme é obrigatório.**
Vi este filme há alguns meses, mas por qualquer motivo não me lembrei de escrever sobre ele até agora. Seja como for, é um daqueles filmes que fiquei com vontade de rever, pois é verdadeiramente bom. É uma sátira (os politicamente correctos podem sair da sala agora e poupar a sua saúde) em que acompanhamos o percurso de um jovem alemão que integra a Juventude Hitleriana. Ele é verdadeiramente fanático pelo nazismo e tem Hitler como o seu amigo imaginário, por isso, fica chocado ao descobrir uma adolescente judia dentro do forro do telhado da casa dele: exactamente, a mãe do menino, às escondidas, faz parte da resistência e ajuda judeus em segredo.
Estamos cansados de ver filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, mas é um momento tão marcante e fascinante da nossa história que eles, garantidamente, vão continuar a ser fonte inesgotável de inspiração para os cineastas. Porém, o que Taika Waititi nos oferece é bastante diferente do comum: um filme profundamente satÃrico e cómico, onde vemos as coisas pelos olhos de uma criança perfeitamente iludida pela propaganda maciça a que estava sujeita, e que leva o primeiro banho de realidade da sua jovem existência. Não me vou alongar em considerações sobre a maneira como Hitler usou a propaganda para criar uma legião de jovens fanatizados e doutrinar a sociedade, acho que isso já é sobejamente abordado por muitos historiadores de craveira e bons documentários.
Adorei a direcção leve e espirituosa de Waititi, que também dá vida ao Führer imaginário que o jovem Jojo tem como seu amigo. O director conseguiu fazer um filme onde o bom humor não ultrapassa os limites, e onde há espaço para coisas sérias e encaradas com uma seriedade que dá profundidade ao filme (é o caso da forma como as autoridades reprimem os dissidentes, pela forma de visitas de agentes da Gestapo, por exemplo). Não é, de todo, um filme dramático, mas é profundo à sua maneira, e o roteiro cria uma história boa entre o menino fanático, a mãe com uma vida dupla e a menina judia, que revela a Jojo toda a realidade que ele desconhecia acerca dos judeus.
Tecnicamente, o filme aposta inteligentemente numa cinematografia e visual fortemente coloridos, vibrantes, contrastando muito com a visão normalmente sombria que nós temos da Alemanha Nazi. De facto, isto não só acentua a visão idÃlica que o menino teria desse mundo, como vai de encontro à maneira como os próprios alemães viam o seu paÃs nesses tempos, que sim, foram indubitavelmente cinzentos. Os cenários e figurinos concordam com esta tónica dominante, e a reconstituição da época foi satisfatória, embora sem uma preocupação excessiva da parte dos produtores.
O filme conta com um bom elenco onde o nome mais sonante é o de Scarlett Johansson. A actriz é profundamente competente no seu papel, esbanja elegância e mostra-nos toda a contradição de uma mãe que, procurando proteger o seu filho, tentava também agir, ter uma posição activa na situação polÃtica, ainda que à s escondidas, na clandestinidade. Ela sabe que só muito mais tarde é que o seu próprio filho poderá entender o alcance e valor das atitudes dela. Roman Grifin Davies é muito bom no papel do jovem Jojo, mas Taika Waititi, um ilustre desconhecido para mim, é ainda melhor na interpretação satÃrica que faz de uma personalidade histórica que o próprio actor assume desprezar profundamente. Boa parte da força deste filme advém da irreverente e inspirada acção de Waititi. Por sua vez, a jovem Thomasin McKenzie faz um trabalho competente e interessante no papel da adolescente judia.
Em 30 Apr 2024