Autor: Filipe Manuel Neto
**Parte de boas premissas, mas perde-se devido a um roteiro miserável e a uma direcção que precisa de direcção.**
Ari Aster não é um director que eu considere bom. Esta é a sua segunda longa-metragem e ele não mostrou aqui um grande talento para dirigir. Porém, pior que a sua direcção é a sua absoluta falta de jeito para a escrita: o roteiro que ele escreveu aqui é medíocre, para ser simpático, e mata completamente o filme.
O que mais me agradou neste filme foi a extraordinária cinematografia, carregada de cor e de luz e de alegria que nos faz sentir o calor e a vibração natural do começo do Verão. Ambientando largamente o seu filme num meio campestre, Aster pôde, quase, demonizar a vida urbana contemporânea, retractando os meios urbanos com um ar sombrio, escuro, tenebroso e deprimente. Aliás, ele até cria uma relação entre o sofrimento da personagem central e os ambientes depressivos da vida urbana: não há uma única imagem positiva ou calorosa antes de as personagens pisarem os campos da Suécia… ou melhor, da Hungria, país onde a maioria das filmagens decorreu, talvez aproveitando os benefícios fiscais que, ainda recentemente, dava às produções de cinema estrangeiras que quisessem filmar ali.
Os cenários e figurinos não podiam ser mais apelativos, principalmente ao público que já tenha interesse pelas tradições nórdicas ou pela feitiçaria, Wicca ou paganismo "new age": temos runas, temos as flores no cabelo ao estilo "hippie", temos gente vestida de branco e descalça a dançar em torno de paus, temos jovens férteis e sexualmente apetecíveis, temos o consumo recreativo e ritualístico de drogas e alucinogénios, temos pessoas felizes a viver em comunidade, sem noção de propriedade privada e em poliamor… parece um sonho de John Lennon. Isto é bonito, é atraente e sedutor na mesma medida em que é inacreditável e contradiz os instintos básicos do ser humano: a apetência por violência e o desejo de ter as suas coisas. Infelizmente, e muito por força de um roteiro escrito com os pés, o filme não é mais que isto. O director/roteirista foi incapaz de dar ao filme uma conclusão ou de criar uma ameaça crível. Claramente inspirado noutro filme (“O Escolhido”), falta um desfecho convincente, há demasiadas cenas estúpidas (por exemplo, quando uma das personagens chora desalmadamente e é rodeada por um coro que, quase, transforma isso numa melodia) e há demasiadas pontas soltas nesta história, que se torna cada vez mais idiota à medida que se aproxima do fim. Para tornar tudo mais ignóbil, há uma mensagem subliminar anticristã que se torna mais evidente quando consideramos que a personagem mais vilipendiada do filme é Christian: sim, estão a maltratar um cristão, simbolicamente.
Os actores não têm culpa da miséria que este filme foi. Florence Pugh é a actriz que mais se destaca e que faz um trabalho mais interessante, mas Vilhelm Blomgren também nos oferece uma interpretação bem feita. Will Poulter, um dos actores que eu conheço melhor aqui, parece subaproveitado, com uma personagem que só aparece pontualmente e que é irrelevante para a trama. William Harper também faz o que pode, mas não tem espaço ou material para mostrar o que vale. No elenco europeu, Isabelle Grill e Gunnel Fred são as actrizes que mais merecem destaque: cada uma delas, à sua maneira, tentou ser misteriosa e inquietante, e elas conseguiram isso da forma como haviam imaginado.
Em 24 Nov 2023