Autor: Filipe Manuel Neto
**Uma lição sobre erros de casting e mau desenvolvimento de personagens.**
Tem sido comum lançar filmes que actualizam os contos de fadas, os quais parecem ter saído de moda. Então, nunca sabemos o que vamos encontrar quando vamos ver um filme baseado num conto de fadas: pessoalmente, ainda prefiro filmes mais próximos dos originais, mas o meu gosto, eu reconheço, não parece concordar com as preferências da maioria das pessoas. No entanto, gostei deste filme e pareceu-me suficientemente bom, dando-nos numa história sobre revolta e resistência, onde a princesa se torna numa líder, uma mistura de Martin Luther King e Joana de Arc. Isso tem o seu mérito, embora eu pense que foi uma opção que não foi tomada para melhorar o filme mas para transformar a frágil princesa original numa mulher mais aceitável para as jovens de hoje, removendo a misoginia com que as feministas acusam os contos tradicionais. Nada contra mas, se foi assim, foi uma boa escolha feita pelas piores razões.
Embora eu tenha gostado do filme no geral, há pontos em que o roteiro afundou, começando no romance. O filme dispara em todas as direcções e sente falta de tudo: a história de amor da Princesa e do Príncipe nunca é mais do que um platonismo adolescente enquanto as tentativas feitas para sugerir uma paixão do Caçador acabam por ser ridículas ao nunca se materializarem. Outro problema são os anões, despojados da sua dignidade e transformados em adereços, muito convenientes para resolver uma ou duas situações complicadas mas irrelevantes para a história em si.
Visualmente, o filme é maravilhoso mas isso era de se esperar de um filme cuja grande parte do orçamento é para áreas técnicas. O CGI é bom mas peca por excesso, sendo tão forte que às vezes se torna irrealista e nunca sentimos perigo... isso é evidente em cenas de acção, onde as lutas parecem danças. Gostei do look medieval, lembrava um pouco "Guerra dos Tronos". A cinematografia, cenários e figurinos também se encaixam bem e foram magníficos, especialmente com a excelente banda sonora, de James Newton Howard.
No que diz respeito aos actores e personagens, há tanto a dizer que decidi, ao contrário dos meus hábitos de escrita, deixar o assunto para o fim. Eu posso começar por dizer que acho as personagens subdesenvolvidas. As personagens que realmente têm espaço para se desenvolver são a Rainha Ravenna e o Caçador. Ambas têm algumas características comuns, como o seu doloroso passado pessoal, com notas psicológicas muito fortes. Isso permitiu que os actores (Charlize Theron e Chris Hemsworth, respectivamente) tivessem material melhor para trabalhar, o que teve um impacto imediato no seu desempenho. Na verdade, Theron dominou o filme, numa das suas melhores performances, enquanto Hemsworth provou ser capaz de fazer mais do que fez em "Thor". Todas as outras personagens eram vagas e não tinham personalidade. Os anões, como disse, foram desprovidos de relevância e os actores que lhes deram vida (alguns deles tão prestigiados quanto Bob Hoskins, Ian McShane ou Ray Winstone) não tiveram o que fazer. Sam Claflin também tentou fazer algo bom, mas a personagem dele parece existir só para "encher chouriços" e, portanto, é rapidamente descartado. O mesmo se aplica a Sam Spruell, cujo personagem é totalmente redundante.
E o que podemos dizer de Kristen Stewart, que fez o papel principal? Pessoalmente, sempre detestei esta actriz. Aqueles que vêem os seus trabalhos iniciais ("Zathura", por exemplo) são capazes de ver algum potencial, mas a verdade é que ela não foi capaz de o desenvolver e tornar-se boa. Ela foi muito deificada por "Crepúsculo", numa atitude irracional, por fãs levados pelo impulso e não por um julgamento analítico. Pessoalmente, não tenho nada contra ela, só acho que ela está na profissão errada, não tem talento e não é tão bonita quanto as pessoas dizem. Ela tem um olhar muito estranho, sendo magra demais e com olhos tão esquisitos que me lembram um cordeiro meio morto. Como actriz, ela parece um robô, sendo incapaz de criar alguma química com os colegas ou mostrar um traço de emoção. Então a escolha desta jovem para o papel principal foi um erro épico de casting, apenas passível de uma explicação: a tentativa de conquistar o público que gostava de "Crepúsculo" e a transformou num ídolo adolescente. É a única explicação para uma decisão que arruinou a personagem e comprometeu o filme. Acho que teria sido preferível continuar o filme inteiro com a pequena Raffey Cassidy (a menina que fez a personagem principal quando criança). Dado que eles mudaram toda a história, por que não?
Moral da história: não há amor igual ao primeiro. Aqueles que cresceram a ouvir o conto original nunca o deixarão em favor de uma releitura moderna.
Em 03 Oct 2018
