Autor: Filipe Manuel Neto
**Não esperava que fosse tão bom como se revelou ser.**
Este filme é talvez uma das comédias românticas mais icónicas dos últimos trinta anos. É muito divertida, envolvente, e a personagem, com as suas tropelias e confusões, acaba por merecer a nossa simpatia, factor que nos faz desejar que tudo termine bem para ela. Claro, sendo o filme uma comédia leve e bem-disposta, o final feliz é quase um dado garantido.
Dirigido por Sharon Maguire, o filme é baseado num livro que se inspira, de modo indirecto, no romance “Orgulho e Preconceito”, de Jane Austen. A história gira em torno de Bridget Jones, uma trintona que ainda está solteira e que decide, no Ano Novo, deixar de fumar, perder peso e arranjar namorado. Claro, o talento que ela tem para arranjar confusões e pequenos desastres promete atrapalhar bastante esses planos, mas rapidamente se vê dividida entre dois homens muito diferentes: Mark Darcy, o favorito da mãe de Jones, advogado de uma família abastada e recém-divorciado e, por outro lado, o próprio chefe dela, Daniel Clever, um editor mulherengo, hedonista e egocêntrico.
Para mim, o melhor deste filme é a sensação perceptível de que procura agradar a um público mais alargado, e ser incluído na lista dos filmes familiares, ao invés de ser um filme concentrado nas mulheres e virado a públicos femininos. O filme não é ultra-sentimental, não é tão exagerado ou histriónico como alguma publicidade me fez pensar, e a personagem central não é tão idiota como eu pensava que seria. Dito isto, sim, surpreendeu-me pela positiva, e foi muito melhor do que eu imaginava ser. De facto, apesar de reconhecer o impacto do filme, principalmente na cultura popular (com várias cenas a tornarem-se famosas até para que, como eu, nunca havia visto o filme), eu só lhe dei uma oportunidade agora por acaso, porque me parecia um filme que eu não ia gostar de ver. Ainda bem que me enganei… mesmo assim, o filme não é perfeito: há aqui uma certa obsessão pelo casamento que acho reprovável, como se a felicidade de alguém dependesse de não ficar solteiro ou não fosse possível ser-se feliz sozinho.
Renee Zellwegger consegue, com este filme, um dos trabalhos definidores da sua carreira como actriz, na medida em que lhe garantiu uma nomeação para o Óscar de Melhor Actriz e ficou na memória das pessoas. Ela realmente fez um trabalho excelente e merece ser louvada por isso, e muito particularmente pela forma como dominou o sotaque britânico e a maneira de ser dos ingleses natos. Se eu não conhecesse a actriz, eu diria que ela é cem por cento inglesa. Também Colin Firth brilhou no seu papel. Sendo um actor que estou acostumado a ver em personagens que peçam uma dose adicional de charme, dignidade ou cavalheirismo, e tendo já feito de Darcy em “Orgulho e Preconceito”, ele era uma opção natural aqui. Gostei de Hugh Grant, ele tem o seu charme habitual, mas ele parece não conseguir ser um vilão capaz, na medida em que não parece suficientemente perverso. Por fim, mas não menos relevante, a excelente contribuição de Gemma Jones e Jim Broadbent (actor que receberia o Óscar nesse ano por outro trabalho feito).
Tecnicamente, este filme orgulhosamente vive, respira, fala e se afirma britânico. Com valores de produção contidos, apresenta-nos uma cinematografia elegante, cheia de charme, mas sem artifícios nem grandes jogos visuais, como é apanágio do bom cinema britânico, onde o jogo de luz e cor, o trabalho de câmara e de edição confiáveis e uma boa escolha de locais de filmagem garantem quase metade do visual. O filme aposta bem na criação de um ambiente engraçado, leve, descontraído sem se deixar relaxar demais. Os figurinos são parte importante do filme, e a maneira como ajudam a definir as personagens é algo a ter em conta (os fatos discretos e caros de Darcy, as saias justas de Bridget, a cena antológica da protagonista disfarçada de coelhinha, etc.). O filme conta, ainda, com uma banda sonora muito eficaz, com várias canções conhecidas que ficam no ouvido facilmente.
Em 26 Oct 2021