Autor: Filipe Manuel Neto
**Uma agradável surpresa na minha primeira visita ao cinema turco.**
Este filme foi-me sugerido muito recentemente, e em boa hora agradeço a sugestão recebida. É realmente um belo filme e foi uma boa oportunidade para descobrir a produção cinematográfica da Turquia, um país que faz bom cinema, mas que tem muito pouca projecção fora do seu país ou do mundo muçulmano. Porque é que isso acontece? Pessoalmente, acredito que será devido à barreira linguística e à falta de investimento na divulgação do seu bom cinema… e claro, não é fácil enfrentar a poderosa máquina publicitária da indústria cinematográfica dos EUA.
O filme que me trouxe aqui hoje é um remake turco de uma comédia ligeira sul-coreana, e que tem sido apontado como uma das produções mais interessantes e emocionantes que a Turquia fez em muitos anos. Dirigido por Mehmet Ada Oztekin, o filme troca a vertente cómica original por um drama familiar tocante e profundo, a que é muito difícil ficar indiferente. O roteiro passa-se numa área rural, onde um pastor mentalmente retardado é injustamente acusado de matar uma menina, filha de um oficial militar. Julgado sumariamente, vai para uma penitenciária, onde é brutalmente espancado e condenado à morte, mas a ingenuidade inata e total incapacidade para mentir e agir maliciosamente convencem os colegas de prisão da sua inocência. Assim, ao mesmo tempo que muitos tentarão ajudá-lo a escapar à forca, outros vão tentar ajudá-lo a não perder contacto com a sua filha pequena, a pessoa que mais ama e a quem as autoridades não permitem a visita.
Claro, sendo este o primeiro filme turco que vi, não conheço nenhum dos actores envolvidos e não posso falar muito sobre eles. Todavia, sinto-me na obrigação de louvar o desempenho de Aras Bulut Iynemli, o actor principal do filme. Ele fez um trabalho de alto nível é absolutamente crível no seu esforço de dar vida a um homem que o mundo ao seu redor tem dificuldade em aceitar, como acontece a quase todos os portadores de deficiência. Ao redor, há outros actores bons, que vão fazendo um trabalho muito competente, e que dão vida a personagens como a pequena Ova, a professora da escola, o chefe da cela, o líder religioso da prisão, o director ou a mãe daquele infeliz prisioneiro.
Tecnicamente, o filme tem vários pontos que me parecem dignos de destaque: a cinematografia é muito boa, e aproveita realmente bem as paisagens rurais e a luz solar; os cenários são bons e muito credíveis, particularmente a casa de Memo e a prisão aonde parte do filme se desenrola. O filme foi muito bem editado e mantém um ritmo agradável, evitando perdas de tempo e não cedendo exageradamente ao melodrama barato. É um daqueles filmes que sabe ser sentimental sem ser lamechas. A banda sonora é talvez o elemento mais frágil, com muitas canções turcas e uma sonoridade oriental forte que pode talvez torná-lo pouco palatável aos ocidentais.
Em 27 Apr 2022