Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme para pensar.**
Este filme acontece num futuro próximo e é mais uma distopia sci-fi onde encaramos os piores receios da Humanidade aliados aos seus maiores sonhos e aspirações. Neste filme, os seres humanos evoluíram tecnicamente o suficiente para realizarem viagens estelares diárias e começarem a colonizar outras luas e planetas. No entanto, ao mesmo tempo que assim aconteceu, foram igualmente sendo implementados métodos de alteração genética radicais que não só permitiram o planeamento detalhado da vida de um bebé antes mesmo da sua concepção, como também a eliminação da maioria das doenças e a criação de um novo tipo de ser humano altamente preparado e resistente. Associadas a estas mudanças, surgiram formas de segregação genética que impedem que indivíduos com uma genética menos apurada, ou nascidos pelo método tradicional em que nada é planeado e alterado, possam entrar no mercado de trabalho, no ensino superior ou até participar plenamente da vida cívica dos seus países.
Andrew Nicoll assina a direcção e o argumento num casamento auspicioso entre a criação das ideias e a sua execução prática. É um daqueles raros cineastas que gosta de perturbar a mente do seu público com filmes polémicos, assuntos incómodos ou controversos e perspectivas ousadas. Podemos ver isso claramente em “Lord of War” ou na forma como trabalhou o roteiro de “Terminal”, um filme mais leve e cómico, mas que ainda assim nos faz pensar. Aprecio o seu trabalho justamente por essas razões, e este é, decerto, o filme mais notável, paradigmático e fundamental da sua carreira. O trabalho de filmagem, o uso da cor, da luz e do enquadramento são aspectos que manobrou de modo impecável, e todo o roteiro é carregado de ideias profundas sobre ciência, metafísica, religião, astronomia e biologia, com teorias bem alicerçadas e até mesmo críveis, se considerarmos o estado do conhecimento humano nestas artes ao tempo corrente.
Ethan Hawke brinda-nos com uma interpretação brilhante, um dos seus maiores trabalhos enquanto actor de cinema. Ele interpreta um homem normal, sem modificações genéticas, que decide fraudar o sistema de segregação a fim de conseguir tornar-se astronauta, o seu sonho desde criança. Como é evidente numa sociedade com estas características, lidará o tempo todo com o risco de ser descoberto e sofrer as consequências, o que aumenta todo o nosso interesse no filme e faz com que nos prendamos à personagem que, no fundo, só quer o que todos nós queremos: realização pessoal justa e sem prejudicar ninguém. Além dele, o filme conta ainda com as participações de Jude Law e Uma Thurman, actores de gabarito que asseguram com mestria as personagens secundárias mais importantes.
Não tendo gozado de um orçamento volumoso, o filme apresenta-se minimalista na forma como se apresenta, visual e tecnicamente. Os poucos efeitos utilizados são simples, mas funcionais, e os cenários e figurinos parecem austeros, mas cumprem a missão de levar o público para uma sociedade brutalmente controlada, estóica e desprovida de senso crítico, onde a vida se resume ao que cada um pode fazer de acordo com a sua genética original. A escolha dos locais de filmagem também ajuda, com vários edifícios brutalistas onde o betão cinzento domina o ambiente, imprimindo-lhe uma grande frieza e impessoalidade.
Em 24 Feb 2025