Autor: Filipe Manuel Neto
**Interessante, agradável, com bons actores (não apenas Heath Ledger), uma boa história... e um final pobre.**
Este foi, penso, o meu primeiro contacto com o trabalho de Terry Gilliam. Ele é um director que parece ter um estilo à Tim Burton: filmes estranhamente fantásticos e cheios de aventuras surreais. Mas se Burton é mais escuro e gótico, Gilliam é mais leve e alegre. De qualquer forma, a verdade é que o filme ficou mais conhecido por ser o último trabalho de Heath Ledger antes da sua morte precoce. Talvez você o tenha visto por causa disso! De facto, ele faleceu durante as filmagens e isso forçou Gilliam a adaptar o filme a essa triste circunstância. Mas vamos ser objectivos e encarar os factos: foi uma fatalidade, mas esta não será a "magnum opus" de Ledger. Eu entendo que as pessoas falem sobre ele, mas escrever uma resenha inteira sobre um filme de uma hora e meia em que só se fala de um actor é estúpido. Há coisas mais interessantes neste filme, e vou tentar me concentrar nele.
Quando comecei a ver o filme, sabia que era um filme de fantasia, mas tinha lido só uma breve nota sobre ele, então não tinha a certeza do que ia ver. De repente, senti-me atirado a um mundo estranhamente irreal. Tudo acontece de repente, quando não estamos à espera de algo desse género, e por isso o meu primeiro sentimento foi de rejeição. Pensei que tudo era muito inverosímil mas fui em frente e, com o desenrolar do filme, comecei a perceber tudo e acabei por gostar do que vi. Sendo irreal, imaginativo e diferente, acaba por ser divertido.
O enredo gira em torno do velho Doutor Parnassus, que vive num jogo permanente com o Diabo sob a capa de um espectáculo itinerante medíocre e ultrapassado. Você tem vários mundos atrás do espelho, criados pela mente dos que entram lá dentro, e a escolha simbólica entre o bem e o mal. Isso funcionará se você não questionar a verosimilhança do roteiro e tiver em mente, desde o começo, que é um filme de fantasia e tem noções morais e simbólicas envolvidas.
O elenco também é bom. Christopher Plummer é um actor que quase nunca falha, seja qual for a personagem. Ele parecia sempre exausto e tinha idade suficiente para dar credibilidade à idade da personagem; Ledger também esteve bem e Colin Farrell, Jude Law e Johnny Depp deram-lhe um interessante apoio nas cenas que ele não teve como filmar. Os quatro fizeram um bom trabalho, mas ele seria médio se nos puséssemos a compará-lo com o que cada um deles já fez noutros filmes. Melhor do que qualquer um deles, Lily Cole, uma actriz que tem metade (ou menos) da fama deles, provou que pode ser uma boa actriz e não apenas uma cara bonita... ela foi muito melhor do que algumas actrizes mais famosas mas sem talento que conheço, esforçando-se muito para dar vida à sua personagem. Andrew Garfield também foi bom, embora a personagem não seja tão simpática devido ao seu ciúme destrutivo. Mas fazer uma personagem que nós já sabemos que as pessoas não vão gostar é sempre um gesto de profissionalismo. Finalmente, Tom Waits deu vida a um diabo astuto, inteligente e enganador.
Não tenho muito o que dizer dos aspectos técnicos. Se não fosse pelas cenas dentro do espelho e algumas fantasias elaboradas, o filme estaria dentro dos padrões normais. Os antigos trajes de teatro são muito interessantes e as cenas dentro do "Imaginarium" foram excelentes, embora seja óbvio que é CGI, e nem sempre é bom o bastante. Mas o pior do filme não foi isso... foi a maneira como o final foi escrito. No final, o filme tenta envolver toda a narrativa e dar conclusão à história, mas tudo é pobre e mal feito, caindo nos clichés mais previsíveis que você possa imaginar. Além disso, não há um final feliz mas um final semi-aberto onde não entendemos metade das coisas que aconteceram.
Este filme é bom, tem boas premissas de roteiro e um bom elenco. Para quem gosta de fantasia, talvez seja um filme obrigatório. Mas é tão complexo e criativo que, no final, não nos deu uma conclusão satisfatória para a história que criou.
Em 25 Nov 2018