Autor: Filipe Manuel Neto
**Revolucionário no seu tempo e ainda hoje muito considerado, é um atentado ao bom gosto visual e traz uma história muito estúpida.**
Há filmes que se destacam porque são realmente muito bons, e tornam-se marcantes pela alta qualidade da produção, do trabalho dos actores e da história que nos é contada. Mas um filme não se torna popular ou icónico apenas por isso… há filmes que são tão assumidamente maus e estranhos que, de certa forma, se tornam marcantes e entram para a chamada memória popular ou memória colectiva. _Barbarela_ é um filme inspirado numa banda desenhada dos anos 60, e tanto o material original quanto o próprio filme foram muito influenciados pela cultura “hippie”, pelas ideias libertárias do Maio de 68 e da Revolução Sexual. Foi um tempo em que o erotismo se tornou popular e massivamente procurado e explorado pelas artes. Só se entendermos isto é que nós podemos entender porque este filme é como é.
Apesar de fazer justiça ao material original, o roteiro conta uma história tão fantasiosa e idiota que só mesmo alguém daquela época poderia apreciá-lo: Barbarela é (eu não quero mesmo ter de pegar neste estereótipo, mas ele é gritante) uma loira burra, mas imensamente atraente, enviada pelo Planeta Terra para outra galáxia, em busca de um cientista perdido e das armas que ele tinha. Ela contacta com vários alienígenas e é quase sempre seduzida ou “convencida” a fazer sexo. A partir de certa altura, ela envolve-se numa rebelião contra uma rainha de uma cidade perversa, onde a tentam matar numa máquina que provoca uma “overdose” de prazer sexual. Obviamente, isto fracassa e o filme termina com a vitória da astronauta loira.
Não vi cenas de sexo no filme, mas a personagem aparece seminua muitas vezes, o que então foi verdadeiramente revolucionário – quase pornográfico. Para nós, a forma como ela é seduzida é tão claramente misógina que nalguns casos seria crime, e custa-me pensar que o filme foi tão calmamente recebido, mas eram outros tempos. Se este filme fosse lançado agora, sem dúvida, seria tão polémico pela sexualidade machista que penso que os movimentos feministas iriam boicotá-lo. Além disso, os diálogos, as situações e todo o conceito do filme são muito idiotas.
O filme foi uma produção franco-americana e boa parte do elenco é francófono, sendo que eu gostaria de destacar, pela positiva, a participação do grande Marcel Marceau, num pequeno, mas relevante, papel falado. O director foi Roger Vadim, então era casado com a actriz e sex symbol Jane Fonda, que assegurou assim o papel da protagonista. Para a história ficam as declarações, tanto da actriz quanto do director, sobre a insegurança de Fonda acerca de si mesma e a forma como ela não se sentia confortável com a personagem e a sua nudez. Mesmo assim, e apesar de tudo, Fonda fez o que podia com o material terrível que recebeu. Ainda podemos destacar, pela positiva, as contribuições de John Phillip Law e Anita Pallenberg.
Tecnicamente, o filme destaca-se pela sua cenografia futurista “trash”, patente, por exemplo, na nave da protagonista e na cidade de Sogo. Pode ser visualmente horrível, um atentado ao bom gosto e por vezes à própria lógica, mas naquela época era algo bastante vanguardista, assim como os figurinos, muito particularmente os fatos espaciais sensuais de Barbarela (que quase se poderiam usar como fatos de banho). O resto é bastante mau: a cinematografia é cansativa e fosca, o trabalho de câmara é mediano, a banda sonora é kitsch.
Em 29 Aug 2022