Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme que começa mal não pode acabar bem. Mesmo assim, o filme tem valores que vale a pena destacar.**
Não há qualquer dúvida de que os dois primeiros filmes da franquia “Alien” são clássicos por mérito próprio e figuram num certo panteão dos melhores filmes de terror e sci-fi feitos até ao presente. São filmes onde tudo correu muito bem, e onde tudo se conjugou de maneira a fazer grandes obras de cinema. Este filme, o terceiro da franquia, não consegue ombrear com eles, e a razão dessa impossibilidade prende-se às suas origens. Como dizemos em Portugal, o que nasce torto nunca, ou só tardiamente, se endireita.
De facto, este filme nasceu e cresceu sob o signo do caos e da confusão, com discussões quase constantes entre o estúdio, os produtores, o director David Fincher e a equipa responsável pelo roteiro. Logo de início, Ridley Scott recusou-se a dirigir o novo filme por entender que este se devia prender às hipotéticas origens da espécie alienígena (Scott conseguirá levar adiante esta sua ideia nos filmes mais recentes, “Prometheus” e “Alien Covenant”). Fincher aceitou ser o seu substituto, mas as constantes interferências do estúdio no seu trabalho levaram a brigas intensas e a um clima muito tenso. Foram gastos milhões em cenas cortadas e refilmadas, à medida que o roteiro ia sendo alterado e escamoteado, e foram até construídos cenários que nunca foram utilizados porque o roteiro mudou. Convenhamos: era virtualmente impossível fazer um grande filme no meio destes conflitos.
O filme continua a história da Tenente Ripley: um misterioso incêndio obriga a nave em que ela seguia a ejectar as cápsulas de hipersono. Dos três sobreviventes do filme anterior, apenas ela é resgatada com vida pelos presidiários de uma colónia penal espacial. O lugar é distante, não há muitos presidiários e a maioria refugiou-se numa certa espiritualidade estranha. Ripley terá, então, a ajuda do médico residente, que irá confirmar que havia um Alien vivo a bordo da nave onde ela estava em hipersono, e que a ameaça está já em incubação naquela colónia penal.
O filme tem as suas qualidades: a cinematografia, os cenários e os figurinos são excelentes e vão totalmente ao encontro daquilo que já vimos nos filmes anteriores; a sensação de ameaça e de tensão continua bem presente e é bastante eficaz, ainda que não haja qualquer surpresa quanto às capacidades assassinas do Xenomorfo. A banda sonora, os efeitos de som, a edição e os efeitos especiais continuam excelentes, notoriamente caros e elaborados. O trabalho feito pelos actores também não nos deixa insatisfeitos: Sigourney Weaver pega na sua personagem, defendendo-a e dando-lhe um desenvolvimento e força cuja responsabilidade recaem total e inteiramente na actriz, e na forma como ela se empenhou neste trabalho. Charles Dance ainda lhe dá um apoio bem-vindo, com um trabalho bem feito, mas eles estão quase sozinhos e todo o restante elenco é muito mais fraco que eles. Uma ressalva, contudo, para a aparição breve de Lance Henrikssen, que faz um bom trabalho, ainda que contribua pouco para o filme.
Há, todavia, algumas questões que deixam o filme muito mais fraco, e que se prendem, na sua generalidade, ao roteiro. Uma das que me surgiu enquanto via o filme é a forma como o filme se descarta facilmente das personagens sobreviventes do filme anterior, matando-as enquanto dormem. Outra coisa que eu pensei foi que aquele Xenomorfo, ainda que seja enorme e muito eficaz a matar, não está a agir como qualquer animal agiria normalmente. Quando observamos o mundo natural, vemos que os animais só matam por dois motivos essenciais: a alimentação e a auto-defesa. O Xenomorfo não. Ainda que ele se alimente dos humanos que mata, ele parece também matar por prazer, o que pode denunciar um certo tipo de inteligência semelhante à humana. O filme, contudo, nunca explora isto, limitando-se a soltar a fera para matar à vontade e de modo aleatório. Como elemento de terror, funciona, mas falta a inteligência que tornaria as coisas mais interessantes. As consequências disto, à luz das questões religiosas e espirituais tão queridas dos presidiários, também não são abordadas: limitamo-nos a vê-los em orações meio apocalípticas. E se todos eles são homens vis, ex-assassinos e gente perigosa, como é que o filme não foi capaz de os fazer usar essa violência e “experiência criminal” em prol da própria autodefesa?
Em 01 May 2023