Visões

Autor: Filipe Manuel Neto

**Seria muito melhor se o terço final fosse menos confuso e mais original.** O cinema francês tem boa reputação e os directores franceses continuam a lutar por isso. Yann Gozlan está longe de ser um novato, mas foi o primeiro filme dele que vi e fiquei razoavelmente bem impressionado: o filme está longe de ser excelente, mas faz o que se propõe fazer com muita qualidade. Gozlan mostra ter sentido estético e saber como fazer um filme visualmente bonito e elaborado: os créditos iniciais, por exemplo, são um exercício notável de trabalho visual e dos melhores que vi em algum tempo. Da mesma forma, o filme merece um louvor pela escolha criteriosa dos locais de filmagem e pelo realismo das cenas no avião. Acredito que tenham usado um daqueles simuladores que as grandes companhias aéreas possuem para treinar situações de voo sem colocar em risco a vida de ninguém. A cinematografia funciona maravilhosamente bem e faz com que nós fiquemos cada vez mais imersos numa história onde o tema do sonho e do sonho lúcido é parte essencial. O roteiro começa com uma comandante de aviação comercial que parece ter a vida com que todos poderiam sonhar: uma vida profissional feliz num emprego altamente bem pago e requisitado, um marido carinhoso e desejoso de ter um filho, uma casa de praia digna de estrelas de cinema, segurança, paz e estabilidade. Nisto, ela encontra casualmente uma velha flama do passado com quem tem uma história mal resolvida e as coisas acontecem, com o começo dos sonhos e visões onde ela vê coisas que não consegue entender (nem nós!), mas que se revelarão importantes. Portanto, fica rapidamente claro que o arco de desenvolvimento da trama é a gradual desintegração da vida ideal da personagem por via de uma personagem antitética com uma vida casual e uma personalidade caótica e egoísta. Com isso em mente, não é difícil prever como tudo acaba, restando adivinhar detalhes…, mas é essa previsibilidade que estraga o filme. Quis muito ver alguma coisa que me surpreendesse, mas sem sucesso. O filme tem ‘suspense’, cria tensão dramática muito bem e as cenas de sexo e nudez não parecem ser só um chamariz de audiências, conseguem ter propósito e servir o filme de certa maneira. Só precisávamos de mais criatividade no momento em que ela era mais necessária: o final. O filme cria muito bem a história, mas não sabe como acabá-la com mestria e acaba por dar um final alinhavado, extremamente caótico e confuso, muito inferior ao que estava a ser feito. Eu entendo que a personagem estava confusa, mas não era necessário ficarmos confusos também! Ainda há neste filme vários elementos que parecem atirados ao acaso: é o caso das alforrecas, cuja relevância nunca é explicada, e de várias cenas que não levam a coisa nenhuma, como a cena onde a protagonista salta de um barco e nada durante a noite. Essa cena, como outras, podia e devia ter sido cortada na pós-produção. Diane Kruger carrega o filme aos ombros com mérito e faz muito bem o seu trabalho. Se deméritos houve não se devem a ela. A actriz conseguiu compreender muito bem o que a personagem lhe exigia e correspondeu totalmente. O mesmo pode ser dito da espanhola Marta Nieto, muito convincente numa personagem centrada em si mesma. Kassovitz fica, assim, na sombra das duas mulheres, mas faz o que é preciso e cumpre sempre que tem de aparecer.