Autor: Filipe Manuel Neto
**Uma história inventada que obscurece os factos reais num filme que, apesar disso, sabe entreter o público.**
Este filme baseia-se, muito levemente, num facto real, que foi a fatídica viagem inaugural do submarino nuclear K19, um dos primeiros submarinos balísticos nucleares da União Soviética. Construído à pressa, contava já vários acidentes e mortes antes mesmo de ser lançado ao mar. Na viagem inaugural, o navio sofre uma perda do líquido de refrigeração que controlava a temperatura do reator nuclear, o que obrigou a tripulação a arriscar a vida para reparações de emergência, em alto mar, evitando o colapso do reator. A maioria dos tripulantes morreu dos efeitos da radiação nos anos seguintes. Os sobreviventes, contudo, preservam a sua memória ainda hoje.
O filme, na prática, foi um insulto à memória dos marinheiros do K19, facto sublinhado pelos marinheiros sobreviventes, num protesto unânime junto da directora do filme, Kathryn Bigelow. Ávida de tornar o filme mais apelativo, e ao abrigo da "liberdade criativa", a directora permitiu que toda a história fosse reescrita, contada de uma forma totalmente distinta dos factos reais. Portanto, é uma obra de total ficção, encapotada sob os "factos verídicos" que o filme nunca soube verdadeiramente aproveitar. Apesar de tudo, o filme é muito bom do ponto de vista do entretenimento. Não é um filme que fiquemos cansados de ver e rever, uma vez por outra. Este factor, associado a um bom desempenho comercial, franqueou-lhe as portas da televisão, onde ainda é uma aparição regular, tanto em canais generalistas quanto em canais especificamente dedicados à exibição de filmes.
O filme pode dividir-se em duas partes. A primeira tenta ser uma introdução do filme, apresentando as personagens, o ambiente, o submarino, a vida a bordo e a missão que eles devem realizar. A segunda parte é o concretizar do acidente e o desenrolar das tentativas para reparar o submarino, com uma tensão crescente em redor do assunto. O problema maior que eu senti é o prolongamento exagerado da primeira metade do filme. Não era verdadeiramente preciso assistirmos a tantos exercícios. Toda a sub-trama envolvendo a insubordinação dos marinheiros afectos ao Imediato, que era o anterior comandante daquela tripulação, também é dispensável.
Harrison Ford é um excelente actor e faz, neste filme, um dos seus trabalhos mais interessantes, para mim. O actor fez um excelente trabalho, dando vida e profundidade psicológica a uma personagem profunda e complexa. A seu lado vemos Liam Neeson, também num dos trabalhos mais bem executados da carreira dele. A forma como ambos contracenam juntos é excelente, e alguns dos diálogos mais bem conseguidos do filme decorrem entre eles. O restante elenco cumpre com o seu trabalho, mas não merece destaque.
Tecnicamente, o filme não comete grandes erros. O interior do submarino parece genuíno o suficiente, a cinematografia, luz e som fazem o seu trabalho discretamente, a banda sonora não merece grandes observações.
É um filme interessante e que sabe entreter, mas conta uma história inventada por cima de outra, real, que fica por contar. O ritmo desigual do filme também não ajuda, mas se você realmente gosta de filmes de submarinos, você nem vai sentir o tempo passar.
Em 09 Feb 2019