Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme incompreendido.**
De tempos a tempos, um director de cinema decide adaptar as peças de Shakespeare. Com toda a justiça, é óptimo e merece ser levado à tela. No entanto, quando isso acontece, as pessoas (particularmente aquelas cuja língua materna é o inglês) não gostam e têm grande dificuldade em entender que, quando um livro é adaptado ao cinema, precisa de ser adaptado ou ajustado. É um trabalho necessário e não poupa nenhum livro ou autor. Pode ser difícil de aceitar, especialmente para os puristas, que vêem Shakespeare como uma espécie de "vaca sagrada", mas a verdade é que o cinema pode ser baseado na literatura mas não é literatura. Digo isto porque percebi que o filme foi alvo de críticas massivas pela forma como o livro foi adaptado. Os argumentistas eram tão incompetentes assim? Cortaram algo importante para a compreensão da história? Alteraram-na profundamente? Não. Mas procuraram adaptar um pouco o texto para fins dramáticos. O essencial está lá, intocado, e isso não me choca. Isto é cinema, não é teatro, e as pessoas têm que entender que o público vai ao cinema para ver um filme, não uma peça gravada. Você quer o texto original, ipsis litteris? Leia o livro ou vá ver a peça. O cinema quer manter a história mas não o texto. Quase todos os filmes são assim, isso não é diferente. Agora vamos falar sobre o filme em si.
O filme é interessante, mantém a essência da história original mas altera muito os diálogos e a interpretação, deixando de lado o tom artificial do teatro shakespeariano e assumindo uma postura mais natural. A ideia é boa, é uma lufada de ar fresco, mas acho que a postura adoptada é muito "século XX" e falta algo, no modo como os personagens agem, que nos lembre o século XV. Uma das coisas mais repreensíveis é a quantidade de beijos e toques físicos. Isso não se encaixa no período histórico descrito, muito mais puritano do que o nosso. Os actores fizeram um trabalho decente, empenhado e de compromísso com a história em si. Douglas Booth foi, de longe, o melhor Romeu que eu vi no cinema, muito mais credível do que DiCaprio em "Romeu + Julieta". Hailee Steinfeld não foi nada mal, mas a sua actuação pareceu um pouco forçada nalgumas cenas. O resto é absolutamente impecável: a imagem brilhante e colorida é magnífica, em combinação harmoniosa com o cenário e os locais escolhidos para as filmagens, que retratam fielmente o que foi Verona neste período. Os trajes também se encaixam no período histórico e são requintados. A banda sonora, discreta mas presente, cumpre o seu papel com grande habilidade.
Longe de ser um filme mau, nunca será entendido pelo público que não é capaz de ver a diferença entre literatura, teatro e cinema. Apesar de algumas pequenas falhas, o filme está bem feito e não merece, na minha opinião, as críticas severas que recebeu.
Em 14 Apr 2018