Autor: Filipe Manuel Neto
**Baseado num romance algo controverso, aborda bastante bem as questões de género e outros problemas profundos.**
“Orlando” é talvez um dos romances mais interessantes e controversos da igualmente polémica e controversa Virgínia Woolf. Os detalhes da vida desta escritora são conhecidos: os abusos sexuais sofridos na infância, as crises depressivas, as dúvidas existenciais que experienciou toda a vida, a sua bissexualidade. E “Orlando” nasce neste contexto: é fruto do relacionamento entre Woolf e Victória Sackville West, uma aristocrata que mantinha um casamento aberto, no qual podia viver a sua sexualidade com outras mulheres. Até que ponto Victória ou a própria autora não terão, a dados momentos, desejado ou fantasiado uma eventual mudança de sexo? Não sei, no entanto, assumo que o romance de Woolf pode ser uma das primeiras obras literárias a explorar a possibilidade da transexualidade.
O filme não faz muito mais do que transportar para a tela as palavras de Woolf, recriando uma história onde um jovem e andrógino aristocrata inglês da corte elisabetana, Lorde Orlando, se vê alvo da afeição da velha rainha, que lhe dá vários bens e regalias na condição de não poder nunca envelhecer ou morrer, o que efectivamente acontece! Assim, “abençoado” (as eventuais consequências negativas nunca são abordadas) desta forma, Orlando atravessa os séculos sem envelhecer um dia, vive amores e conhece outros países. A dada altura, é possuído de um sono do qual não consegue acordar, e quando finalmente acorda, tornou-se misteriosamente numa mulher, e passa os duzentos anos seguintes a provar que, não só, nunca morreu, como mudou de sexo. E os anos vão passando, com o filme a acabar nos nossos dias.
O filme é o responsável pelo alavancar da carreira cinematográfica de Tilda Swinton, uma actriz britânica que, mesmo antes de fazer este filme, já perseguia um visual estético algo andrógino, talvez em virtude de ter passado a infância como a única menina entre vários irmãos rapazes. A verdade é que o filme contribuiu decisivamente para a carreira da actriz. Ela domina o filme e dá-nos uma soberba interpretação. John Wood e Quentin Crisp também fazem um trabalho de grande valor.
Tecnicamente, o que mais se destaca neste filme é a cinematografia, muito cuidadosa e bonita, e o ritmo tranquilo, mas consistente, de um filme que pode demorar um pouco a convencer os espectadores, mas consegue fazê-lo e mantém a nossa atenção até ao final. Filmado largamente em solo britânico, faz bom uso de várias casas aristocráticas como parte do seu cenário, e todos os figurinos, para cada época histórica, foram realmente muito bem feitos.
Em 28 Sep 2022