Autor: Pedro Quintão
The Substance conquistou-me logo desde o primeiro momento, e isso começou logo pelo trailer, cuja edição conseguiu aguçar-me a curiosidade, não só pelo seu ritmo frenético, mas pela promessa de algo fora do comum. E posso já adiantar: o filme não fica nada atrás. Arrisco a dizer que é dos melhores filmes que vi nesta década.
A narrativa é brutal, carregada de simbolismos e metáforas poderosas. Coralie Fargeat faz uma crítica certeira ao culto da imagem, à sociedade machista, aos padrões de beleza que tantas vezes nos sufocam a todos (mas principalmente as mulheres), às inseguranças profundas, e ao medo da inevitabilidade do envelhecimento. É uma obra que fala de mulheres, mas também é para elas, tocando em temas que transcendem o ecrã e fazem eco na realidade que vivemos. Isto tudo sem nunca ter a necessidade de seguir por uma vertente show off como algumas produções comerciais fazem com este tema.
Tal como no seu último filme, Revenge (2017), Coralie Fargeat traz-nos uma obra feminista, mas sem nunca seguir os rumos habitualmente limitados e superficiais que constantemente encontramos em produções de grandes estúdios. A diferença está na profundidade e naturalidade com que a realizadora aborda estas questões. Aqui o objetivo não é usar esses temas para provocar e criar "buzz", mas sim para levar-nos a refletir sobre as imposições e dificuldades que as mulheres enfrentam, sem envergar por um discurso "mainstream" como se tornou habitual para muitos estúdios multimilionários que nos brindam com tratamentos superficiais sobre problemas sociais importantes apenas para garantirem algumas referências e citações no Twitter ou TikTok (apetece-me exemplificar mencionando um filme bastante conhecido, mas é melhor não o fazer para evitar ser cancelado).
Não me senti, em nenhum momento, atacado enquanto homem ao ver o filme. Pelo contrário, refleti sobre os desafios que tantas mulheres enfrentam devido à sua imagem, num mundo muitas vezes controlado por um sistema machista que as pressiona de todas as formas.
Quanto à história, só posso dizer que amei cada segundo. Desde o primeiro minuto até ao último, The Substance mantém um ritmo que simplesmente não deixa espaço para momentos mortos. A edição é simplesmente soberba, e o filme, apesar das suas 2h20m, passa num abrir e fechar de olhos. É raro encontrar uma obra que nos leva numa viagem tão intensa, frenética e absolutamente surpreendente como esta. Para mim, o cinema é, acima de tudo, uma experiência emocional, e este filme levou-me ao limite das minhas emoções.
A cinematografia e a edição sonora são estonteantes. Cada cena é visualmente rica, cada som parece ter sido escolhido ao pormenor para intensificar o que estamos a ver. O filme merece ser apreciado numa sala de cinema, no maior ecrã possível e com um sistema de som capaz de captar a sua atmosfera única. A experiência sensorial é das melhores que já tive.
E não posso falar de The Substance sem mencionar as interpretações brutais de Demi Moore e Margaret Qualley. Elas são a alma do filme, e cada uma conduz a narrativa de um modo arrebatador, tornando cada cena em que aparecem um espetáculo à parte. São interpretações dignas de estarem presentes em todas as premiações.
No entanto, devo deixar claro que este não é um filme de terror. Se forem com essa expectativa, podem sair desiludidos. É, no fundo, um drama com alguns elementos de thriller e algumas cenas mais gráficas e perturbadoras, que podem dar a volta ao estômago dos mais sensíveis. Mas não é o terror convencional que muitos espectadores podem estar à espera.
Recomendo vivamente que o vejam e espero, honestamente, que este filme seja nomeado para os Óscares. Seria um ultraje se não o fosse. Não só é, para mim, o melhor filme do ano, como talvez o melhor filme que vi nesta década.
Em 28 Oct 2024