Autor: Filipe Manuel Neto
**Por vezes mostra ter qualidade mas não me convenceu.**
"Anna Karenina" é um dos clássicos da literatura russa. Escrito por Tolstoi, é um livro verdadeiramente colossal, com longas descrições e que detalha bastante o estado de espÃrito das personagens. É um livro muito rico e complexo, com diálogos intensos e momentos em que as personagens debatem o estado do império, momentos onde o autor, à margem da história que escreveu, inseriu uma pitada de crÃtica social e polÃtica. Assim, é um livro difÃcil de transpor para o cinema. Perde-se sempre alguma coisa. Nem vale a pena comparar porque já sabemos isso.
Neste filme, o romance proibido e arrebatador de Anna, uma mulher presa a um casamento rotineiro e convencional, e Vronsky, o oficial militar que quer viver a vida como se cada dia fosse o último, foi totalmente transposto para um palco, como se toda a vida e toda a sociedade de corte russa fosse um gigantesco palco de teatro onde cada um desempenha um papel. A metáfora não vem a despropósito. Neste filme salta aos olhos a importância do papel social de cada pessoa. Para pessoas como Anna ou o marido dela a opinião dos outros conta e afecta a maneira como desempenham o papel deles no palco da sociedade russa. Ana, Vronsky, o Ministro Alexei, cada um deles está tão ou mais preocupado com as implicações sociais do que está a acontecer do que com os acontecimentos em si.
Apesar disso, e apesar de o filme respeitar o essencial do livro original, é bastante fraco. Joe Wright parece um director fraco, que pega num romance açucarado, adoça-o ainda mais e adormece a plateia ao contá-lo... muito... devagarinho... e sem qualquer emoção notável. Para piorar, ele estava tão empolgado em fazer um filme cheio de estilo, com aqueles artifÃcios teatrais, efeitos visuais e ângulos de câmara pensados fora da caixa que descurou tudo o resto. O filme é muito lento sem qualquer razão de ser, a história não tem profundidade e é contada quase em tom de mexerico e certas cenas são tão estilizadas que se perde parte do seu sentido. Por exemplo a cena do baile em casa dos Scherbatsky, onde não vemos Anna empolgada com o sucesso que faz no seu début social em Moscovo, e onde a raiva de Kitty é justificada pelas atitudes de Vronsky sem ter em conta o facto de que a jovem, logo na sua estreia social, estava a ser virtualmente ofuscada por outra mulher, mais velha, mais experiente e já casada!
Resta-me falar dos actores. Se por um lado gostei muito da performance de Jude Law, que nos brindou com um Ministro Alexei muito digno, impassÃvel e severo, e do trabalho de Matthew Macfadyen (que interpretou o irmão de Anna, Stiva) e de Domhnall Gleeson, que deu vida a um rude porém rico e importante Kostia Levin. Aaron Taylor-Johnson nunca me convenceu como Vronsky e Keira Knightley simplesmente não tem qualquer quÃmica com ele.
Tecnicamente, o filme é bastante interessante. Os efeitos especiais, visuais e de som são muito bons, usou-se e abusou-se da tela verde e do CGI, há alguns momentos de maior tensão, mas são atenuados acidentalmente pela banda-sonora, que tem qualidade mas por vezes é demasiado alta e estridente. Uma palavra ainda, para a excelente qualidade dos figurinos e cenários deste filme.
Em 22 Jan 2020