Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme interessante, com qualidades, mas que poderia ser muito melhor.**
Acho que a esta altura qualquer pessoa que conheça razoavelmente o cinema já sabe que os filmes de Danny Boyle não são para todos os públicos. Talvez “Slumdog Millionaire” seja o seu filme mais comercial e mais capaz de abranger o grande público, mas basta que pensemos em “Trainspotting” para termos uma ideia do quão cru e intenso ele consegue ser enquanto cineasta. Ele parece gostar disso, e não é possível negar que há um nicho de público para esses filmes.
O roteiro leva-nos a Edimburgo, ao apartamento onde vivem três jovens amigos. Como sucede muito entre a juventude empobrecida, eles dividem o arrendamento entre eles de modo a poderem continuar ali, e estão à procura de um quarto companheiro porque ainda há espaço para um quarto coabitante. Porém, após cerca de uma semana, o escolhido para a vaga é encontrado morto, nu, ao lado de uma mala enorme carregada de dinheiro. E os três jovens ficam num dilema: deverão chamam a polícia e contar tudo o que se passou? Afinal, eles não o mataram! Ou será melhor esconder o corpo algures e ficar com todo o dinheiro? Eles estão realmente a precisar daquilo… valerá a pena?
Como se pode ver, o filme explora bem os temas da ganância e mesquinhez, da amizade e da forma como algo pode transformar a maneira como as pessoas se relacionam, pondo fim a amizades e levando a paranóias brutais que se alimentam dos receios inconfessáveis de cada um. Há alguma coisa que me lembra Alfred Hitchcock nisto. Eu creio que bastaria isto para o filme ser interessante, mas Boyle acrescentou uma subtrama onde um grupo de criminosos sabe do dinheiro e anda à procura dele, deixando um rasto de corpos por onde passa. Eu acho que o filme não precisava disso e que teria sido melhor investir na trama central entre os três companheiros.
O maior problema deste filme é que não é bonito nem tem personagens simpáticas. Pelo contrário! As personagens são mesquinhas, cínicas, antipáticas e a amizade deles parece artificial, forçada pelas circunstâncias. Porém, é mesmo isso que o filme podia explorar até ao limite. Tenta fazê-lo, a tensão aumenta gradualmente à medida que isso acontece, mas a sub-trama que citei introduz-se de maneira ostensiva e estraga um pouco as coisas.
No elenco, Chris Eccleston e Ewan McGregor destacam-se com interpretações inspiradas e um pouco insanas. As personagens deles pediam essa expansividade e ambos souberam corresponder ao desafio, embora por vezes exagerem. Kerry Fox não é tão boa e limita-se a exagerar. Boyle tem estilo, mas não é um director hábil a orientar o elenco dos seus filmes. A somar, temos Keith Allen, que tem muito pouco a fazer, e Ken Stott, relegado para uma posição secundária e sem grande interesse para a trama.
Tecnicamente, o filme tem notas francamente positivas: o cenário é muito bem pensado, com a produção a procurar todos os meios para fazer frente à pobreza franciscana do seu orçamento. A cinematografia é boa, mas não é encantadora, e o trabalho de câmara tem os seus momentos de inspiração criativa, com perspectivas e enquadramentos originais e pouco usuais no cinema regular. O ritmo acelerado da história encobre razoavelmente as fraquezas da direcção e do roteiro, tornando o filme mais divertido e palatável. O final é um esforço, mas a reviravolta era previsível.
Em 08 Feb 2024