Autor: Filipe Manuel Neto
**O filme não é mau, mas tem várias falhas e problemas sérios a considerar.**
O acidente do submarino nuclear russo Kursk aconteceu há vinte e dois anos e, no entanto, essas duas décadas parecem muito mais, principalmente se considerarmos o quanto o Mundo mudou nesse período. É quase surreal pensar nisto agora, quando vemos a Rússia como um agressor numa guerra injusta aos olhos da maioria dos povos.
A história do submarino e de como ele sofreu o seu fatídico acidente é sobejamente conhecida, e basta uma mera pesquisa de Internet para quem não tem a memória tão fresca ou era jovem demais na época do acidente. Por isso, não me vou alongar no assunto. Quero apenas deixar um ou dois apontamentos sobre o roteiro, que eu aprovo na generalidade, ainda que com ressalvas em várias questões e pontos muito concretos. De facto, não gostei muito de sentir que o filme não foi absolutamente fiel à verdade, e que deturpou ou omitiu alguns factos. Meros detalhes, na sua maioria, mas eu penso que, quando estamos a lidar com um filme quase biográfico, que retracta uma tragédia onde morreram tantas pessoas cujos familiares estão vivos, é imperativo ser o mais fiel à verdade quanto possível. É uma forma de respeito, e isso sobrepõe-se a toda e qualquer liberdade criativa, nestes casos muito concretos.
Há, todavia, um ponto em que eu senti que o roteiro realmente faltou com a verdade, e que não me parece ser só um detalhe: onde está Vladimir Putin? Em 2000, Putin tinha acabado de se tornar presidente da Rússia, apenas alguns meses após a sua eleição para Primeiro-Ministro e no seguimento da renúncia de um doente e apagado Boris Yeltsin. A par com a insurreição que se fazia sentir na Chechénia, a crise do Kursk foi um dos grandes tirocínios políticos vividos pela sua administração, e Putin teve um papel determinante no decurso das operações de resgate, e na forma como a Rússia recusou a ajuda de outros países. As razões que nortearam essa opção são discutíveis e não vou ser eu a dizer se Putin agiu bem ou mal, mas a ordem veio dele. E onde está Putin neste filme? Não está. É totalmente omitido, assim como toda e qualquer eventual responsabilidade sobre o acidente que possa ser minimamente imputável à cúpula política do Kremlin. O roteiro só nos mostra os almirantes e o alto comando, ignorando que este recebia ordens superiores. Isto é mais que uma falha ou liberdade criativa: é uma mentira por omissão.
O filme vai agradar a todos os que gostam de filmes sobre submarinos ou a guerra no mar, mas parece um pouco melodramático e há muitos momentos açucarados. Também não gostei muito do ritmo, lento e desigual: o acidente acontece muito cedo, ainda na primeira meia-hora, o que faz do resto do filme uma longa sucessão de avanços e recuos em torno do salvamento, com as cenas no submarino a serem esticadas até perdermos a noção do tempo que aqueles homens de facto aguentaram esperar. O elenco é maioritariamente europeu e conta com nomes menos conhecidos, como Matthias Schoenaerts, Peter Simonischek, August Diehl e outros, sendo que quase todos se limitam a fazer o que têm de fazer, sem problemas, mas também sem grandes desafios a superar. O destaque vai para dois veteranos: Max von Sydow, no papel do almirante russo, e Colin Firth, no papel de um comodoro britânico. Ambos estiveram em boa forma e são muito competentes no que têm de fazer. Léa Seydoux faz o que pode, mas a sua personagem é muito açucarada e cansativa, e o facto de o filme não investir mais a trabalhar as personagens impede que realmente gostemos dela.
Tecnicamente, o filme tem pontos positivos e negativos a considerar: se por um lado gostei da cinematografia, e da forma como o fundo do oceano foi retractado, senti que o filme não nos transmite a sensação de perigo real que aqueles marinheiros passaram, nem tampouco a noção do espaço claustrofóbico a que estavam confinados. As filmagens decorreram em vários pontos na Europa, e a escolha dos locais é boa e criteriosa. Os figurinos, e particularmente as fardas dos marinheiros, foram muito bem feitos, e a banda sonora faz um trabalho discreto e eficaz, ainda que não seja memorável. Os efeitos visuais, especiais, sonoros e computorizados funcionaram muito bem, em particular na cena do acidente e nas cenas filmadas no submarino a afundar-se.
Em 15 May 2022